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Foto do escritorJosé Tavares

Atenas e Jerusalém no mundo de hoje

Atualizado: 25 de fev.









É fácil encontrar, no mundo de hoje, marcas da influência destas cidades nos modos de pensar e agir dos povos e culturas das diferentes regiões e continentes. Mas esses modos de pensar, agir e estar apresentam incidências e intensidades diferentes, a ocidente e a oriente. Sabemos, no entanto, que esses marcadores de incidência e intensidade distintos e complementares, embora possam dar uma visão mais geral do que acontece ao nível global, não se ajustam bem à realidade existente ao nível nacional e internacional. Tudo é bastante mais complexo e diverso. Na sociedade globalizada dos nossos dias, tanto a oriente como a ocidente há ideias que configuram mais a mundividência de Atenas, outras a de Jerusalém e vice-versa. De qualquer modo, a presença de uma certa maneira de estar, de ser, de conhecer e agir de Atenas e Jerusalém está sempre presente. Uma mais cerebral, racional e idealista, abstrata e outra mais cordial, emocional, religiosa e concreta.

Lembremos, a este propósito, o caso da China e da Índia, os dois países mais populosos do planeta, e até da Indonésia e da Turquia não apenas à luz da sua filosofia, cultura e religião do passado e do presente, mas também dos seus costumes, comportamentos e atitudes. Facilmente podemos verificar que as suas formas de estar, de ser, de pensar e de sentir são muito distintos do que se passa numa Alemanha, França, Itália, Espanha e mesmo no Reino Unidos, nos Estados Unidos, Canadá e Brasil apesar da diversidade de religiões, de raças e culturas que os seus povos professam e integram.  Sabemos ainda que nesses países, a ocidente e oriente, se sente e pensa de maneiras muito semelhantes. E encontramos sempre o rosto de Atenas e de Jerusalém em todos esses lugares e ao longo dos tempos, embora com níveis de incidência e intensidade diferentes. Atenas determinando mais a filosofia e a cultura ocidentais e Jerusalém as filosofias e culturas orientais. Ambas, porém, coexistem ou poderão coexistir e exprimir-se nos modos de pensar e de sentir das pessoas que aí vivem. 

Atenas e Jerusalém são como que dois grandes rios do pensamento e da ação que atravessam todos os tempos e lugares e convergem na natureza do próprio ser humano, na sua modalidade de ser inteligente e livre, proveniente do Ser e na sua volta ao Ser a quem está essencialmente religado, o que faz dele um ser religioso. A religião não é apenas uma crença ou algo descartável. Ela faz parte da sua própria essência como modo de ser que provém do Ser e não pode existir sem procurar o Ser e voltar ao Ser a que as religiões e os crentes chamam Deus.

A Atenas e a Jerusalém de hoje, julgo, não têm a mesma força de referência que tiveram no passado, embora a primeira tenda a privilegiar o lógos e outra a religião como expressão maior do pensamento e da ação. Outras muitas cidades emergiram com grande proeminência nos domínios da filosofia, da ciência, da arte, técnica e progresso sociocultural pelos 5 continentes. Em todas, porém, emerge sempre uma Atenas e uma Jerusalém que em função da força e do sentido da sua presença determinam os seus modos de pensar, de sentir e de agir. São duas dimensões do pensamento e da ação que estão sempre presentes.

Se nos detivermos, por exemplo, em Paris, a bem conhecida cidade da luz verificamos que não é difícil descobrir nos seus modos de pensar, de sentir, de estar e de agir que Atenas, de certa forma, configura mais claramente a sua filosofia, a sua literatura, sua ciência, a sua arte e a sua cultura. Mas também não podemos esquecer que há um Descartes e um Pascal entre os seus pensadores mais distintos. Descartes mais na linha de Atenas e Pascal na de Jerusalém, embora Atenas e Jerusalém estejam presentes em ambos, mas com incidência e intensidade diferentes. Descartes não é apenas um dos pais do racionalismo, mas também de um querer emocional, o voluntarismo que lhe está subjacente em que a vontade de ser livre assume uma importância primacial. Em Pascal, há razões que a razão desconhece, mas reconhece e configuram o projeto humano. Esta dupla presença é ainda mais clara na literatura se bem que aí, em muitos literatos, escritores e poetas, talvez, Jerusalém seja mais intensa ou significativa porque os literatos e, sobretudo, os poetas têm uma outra maneira de olhar para as coisas, para a vida, menos cerebral e mais cordial em que a emoção, o sentimento e a paixão assumem uma expressão e um significado especiais. Talvez, pudéssemos, por isso, concluir algo semelhante em relação outras muitas cidades a ocidente como Londres, Berlim, Roma, São Petersburgo, Madrid, Lisboa, Nova Iorque, Monte Real, São Paulo, Buenos Aires, etc., mas não é esse o nosso objetivo.

Se viajarmos mais para oriente, para Nova Deli, por exemplo, apesar da colonização inglesa, a realidade julgo apresentar-se de um modo bastante diferente. Atenas não deixa de estar presente, mas nas suas vivências, nos seus modos de agir e de pensar destaca-se, sem dúvida, mais o rosto de Jerusalém. O mesmo acontece, penso, em outras muitas cidades do oriente mais próximo ou distante que não irei mencionar.  Por outro lado, se viajarmos de norte para sul e vice-versa, julgo que estas marcas são menos nítidas ainda que, de um modo e de outro, estes dois grandes eixos do pensamento, do sentimento, da ação, da vida dos respetivos povos, nem por isso deixam de emergir embora com intensidades distintas nas diferentes latitudes e culturas.

Quando vejo filmes de países orientais como China, Japão, Coreia do Sul dou comigo a pensar como são diferentes os contextos que nos mostram, as suas filosofias de vida, os modos de avaliar as situações, de sentir e de reagir em relação aos mais diversos acontecimentos e problemas. Os seus os tempos, os seus cenários são mais lentos e vivenciados mesmo em espaços semelhantes onde tudo à volta evolui de forma vertiginosa e mostra um desenvolvimento científico e tecnológico muito avançado. A ocidente, na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e noutros muitos países, regiões e continentes, tudo se passa de um modo bastante diferente mesmo que os problemas que são apresentados sejam do mesmo tipo. Embora esteja a pensar concretamente em algumas séries e filmes que correm na cinemateca internacional, não irei aqui mencionar títulos e realizadores porque isso nos dispersaria e a afastava do nosso propósito nesta reflexão. Uma coisa é certa, por aí passam Atenas e Jerusalém com as suas especificidades e características bem marcadas ainda que complementares.

Descobrir em cada uma destas situações até onde vai a intensidade de cada uma dessas cidades ícones da Humanidade constitui a chave daquilo que procuramos pôr em evidência e descrever através dos marcadores que, aos nossos olhos, são mais significativos. E quais são esses marcadores? É a resposta a esta pergunta que, através desses marcadores, tentaremos descobrir o rosto de Atenas e de Jerusalém em cada uma dessas culturas, cidades, regiões e continentes. Não é uma tarefa fácil nem simples, mas é um grande desafio.

Um desses marcadores, aos nossos olhos, tem a ver com as modalidades de compreensão, de agir e de estar em relação às coisas, às pessoas e as diferentes relações e interações que se estabelecem. Estas modalidades de compreensão, de agir e de estar provocaram consciencializações e vivências distintas que conformaram os seus comportamentos e atitudes em relação ao passado, ao presente e, julgo também ao futuro, bem como a sua ligação a um Ser Superior a que se sentem intimamente religados e designam, em geral, por Deus e se encontra na raiz das diferentes religiões do passado, do presente e, com certeza, do futuro. O ser humano é essencialmente religioso, ou seja, está ontologicamente ligado a um Ser Superior, Deus e Senhor de tudo o que existe e possa vir a existir neste universo e, eventualmente, noutros universos de realidade existente ou possível. Porque todas modalidades de ser existentes e possíveis provêm, procedem do Ser, existem ou podem vir a existir no Ser e ao Ser terão de voltar, pois não há mais ser para além do SER. E nenhuma modalidade de ser pode deixar de ser, cair no nada porque o nada simplesmente não existe nem pode vir a existir. Toda a modalidade de ser é uma dádiva do Ser que nenhuma liberdade individual ou coletiva poderá destruir nem aniquilar. Aqui que se encontra a verdadeira raiz da liberdade do ser humano que, ao mesmo tempo, o constitui como ser inteligente, consciente, responsável, autónomo e capaz de reconhecer e aceitar o seu próprio destino: voltar ao SER sem perder a sua identidade de pura dádiva que não poderá voltar nunca mais ao não ser, ao nada, ser aniquilado.

Esta ligação a um Ser Superior, acaba por ser um outro marcador essencial. Por isso a religiosidade faz parte do que há de mais fundo e sagrado no ser humano. Quando observo a leviandade com que em muitas sociedades se olha para a dimensão religiosa do ser humano como algo descartável fico preocupado com o seu futuro. Sem esta ligação a um Ser Superior nenhum ser inteligente e livre pode existir nem vir a existir. Por isso, uma sociedade sem Deus não tem futuro. Julgo também que, no passado, não se conhece nenhum tipo de sociedade que se tenha constituído sem uma crença, ou uma fé em Algo ou Alguém Superior a quem era necessária temer ou adorar para poder subsistir. Por isso, se divinizaram as forças da natureza e os próprios chefes como Senhores, Reis, Imperadores.

Nas sociedades mais modernas e contemporâneas começaram a emergir outras marcas que tendem a ser divinizadas pelo homem: as liberdades, o poder, o prazer, o dinheiro, a fama, etc. Estas marcas mostram o rosto dos diferentes modelos societários e políticos a ocidente e a oriente, a norte e a sul do planeta. É fácil descobrir que em cada um dos regimes políticos existentes que estas marcas continuam a ser moldadas pelas matrizes de Atenas e Jerusalém pois todos eles continuam a ser atravessados por essas duas grandes correntes do pensamento e da ação, o logos da razão que representa, concebe e cobre, oculta e a alêtheia do coração que acolhe, reconhece, desoculta, venera, adora. O equilíbrio entre estas duas dimensões do pensamento e da ação torna as sociedades mais humanas.

Julgo que uma das grandes tarefas das sociedades dos nossos dias é equilibrar estas duas dimensões porque os desequilíbrios são cada vez mais visíveis e profundos não só na debastada Europa por uma guerra sem sentido que destrói a Ucrânia e, de certa forma, Gaza, provocando as maiores atrocidades a pessoas inocentes e, sobretudo, velhos, doentes e crianças. As narrativas da guerra que nos chegam através da comunicação social, sobretudo, do lado do país agressor ou invasor, neste caso, a Rússia ou Israel, mostram que nem a razão, nem o coração, em a crença funcionam. A paz apenas é possível se o equilíbrio da razão e do coração voltar a reger a ordem mundial salvaguardando o direito das pessoas e das sociedades ao nível nacional, regional e internacional. Se a atual ordem mundial já não for suficiente, então, é preciso quanto antes alterá-la ou refazê-la, mas sem, entretanto, pôr em causa os direitos e os deveres das pessoas e das nações legítima e juridicamente constituídas e reconhecidas. A lei da selva não pode ser tolerada no século XXI tendo em conta os níveis de cultura e civilização que a Humanidade alcançou.

É triste e quase inacreditável o que continua a acontecer em tantos lugares do planeta terra. Precisamos, por isso, que as mundividências de Atenas e de Jerusalém continuem a prevalecer e o equilíbrio entre essas duas vertentes do pensamento e da ação encontrem um verdadeiro equilíbrio nas sociedades do nosso tempo. Só assim o futuro do mundo continuará a ser possível apesar das agressões e das ameaças que estão a ser cometidas pelo progresso científico e tecnológico à margem de balizas verdadeiramente humanas que põe em perigo a própria natureza que lhe serve de suporte. 

Fala-se muito das “pegadas carbónicas” e das agressões ao meio ambiente, mas não se vai ao fundo das questões para tentar encontrar respostas mais substantivas. Aos meus olhos tudo tem a ver com uma questão de valores que ou não são respeitados ou foram invertidos ou mesmo negados em relação à natureza, à vida e aos comportamentos das pessoas e das sociedades mais ou menos evoluídas e organizadas. Para defender o planeta terra é preciso defender e aceitar uma determinada hierarquia de valores de um modo efetivo e, de certa forma, militante, como a liberdade, a responsabilidade e a autonomia, que possibilitem ao ser humano assumir-se como tal e não como “cataventos” que mudam de acordo com as circunstâncias, as políticas e os interesses. Mas para isso é preciso ter razões bem fundamentadas ter coração, querer e confiança, “fé” de que é possível construir um mundo melhor, mais equilibrado, mais inteligente, responsável e livre a todos os níveis da pirâmide social, económica e política.

Para isso, terá de ser reavivado o espírito e a força cultural de Atenas e de Jerusalém no seu sentido mais genuíno e autêntico no coração das sociedades dos nossos dias.             






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